Quando Donald Trump decidiu acirrar a guerra comercial contra a China, o mundo reagiu como se fosse o fim da globalização. Mas o curioso é que, ao longo da história, as tarifas e sanções comerciais sempre foram parte do jogo — apenas mudam de nome e de justificativa conforme a conveniência política de quem as impõe.
A narrativa oficial dos Estados Unidos é simples: a China distorce o mercado global ao subsidiar suas indústrias e inundar o mundo com produtos baratos. Essa prática desequilibra as balanças comerciais e ameaça empregos locais. O raciocínio tem lógica. Mas o que raramente se comenta é que os próprios EUA cresceram fazendo exatamente isso — protegendo seus setores estratégicos, impondo barreiras alfandegárias e manipulando acordos multilaterais quando lhes era conveniente.
O que mudou foi o tabuleiro.
A China passou de “fábrica do mundo” a potência tecnológica e financeira, avançando sobre territórios que antes eram domínio exclusivo do Ocidente: inteligência artificial, energia verde, telecomunicações. O que Trump fez, portanto, não foi inventar uma guerra comercial — foi apenas escancarar uma que já estava em curso há décadas. Ele retirou o verniz diplomático e revelou o que muitos países fazem em silêncio: defender seus interesses.
Ainda assim, a reação global foi negativa. Por quê?
Porque as tarifas e sanções, quando aplicadas por uma potência como os Estados Unidos, abalam o equilíbrio de interdependência que sustenta o capitalismo moderno. O mesmo sistema que promoveu o “livre comércio” é o que agora se vê refém de suas próprias correntes: cadeias de suprimento globalizadas, dependência mútua e economias integradas em cada etapa da produção. Taxar a China é, de certo modo, taxar a si mesmo.
Empresas americanas que dependem de componentes chineses pagam mais caro, consumidores sentem no bolso, e os parceiros comerciais entram em pânico. O mundo reage mal não porque as tarifas sejam ilegítimas, mas porque revelam o caráter frágil e contraditório do sistema global. O que se vendeu como “livre mercado” nunca foi de fato livre — apenas condicionado a quem tem o poder de definir as regras.
No fundo, o que causa desconforto não é a tarifa em si, mas a quebra da ilusão.
A globalização se sustentou em um pacto não escrito: todos fingem que há equilíbrio, enquanto alguns acumulam vantagens. Quando Trump rompe essa ficção, o mundo reage não em defesa da moral econômica, mas do teatro diplomático que mantinha tudo funcionando. As tarifas são apenas o lembrete de que, no fim das contas, a economia mundial não é um jogo justo — é um jogo de força. E quem está no topo só defende o “livre comércio” enquanto continua ganhando com ele.