Por Maria Ester

Ela conheceu ele aplicativo de namoro aparentemente seguro. Gentil, carinhoso, “homem de família”, ele aparentava ser uma pessoa de bem. Dizia que estava pronto para um recomeço e que tinha encontrado nela aquilo que tanto procurava. Em poucos meses, eles já dividiam contas, planos e até alguns boletos. Ele tinha uma história triste de abandono, de perseguição de ex mulheres e de falências porque tinha deixado tudo para ex, para a família, para filhos e assim por diante.

Um dia pediu um valor pequeno emprestado, pagou, outro dia pediu algo seu e devolveu, até que pediu para você fazer um empréstimo porque talvez ele corresse perigo, ou não, só porque ele precisasse mesmo. Dai ele sumiu. Sumiu com presentes, com a conta conjunta, o carro que era dela e a promessa de um futuro que nunca existiu. O nome disso é estelionato emocional.

Quando o romance é um golpe
Diferente do estelionato tradicional — que envolve apenas o prejuízo patrimonial —, o estelionato emocional carrega o agravante da manipulação afetiva. A vítima não só perde dinheiro ou bens, ela perde o chão. Foi enganada onde mais confiava: no afeto.

Segundo o artigo 171 do Código Penal brasileiro, estelionato é “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”. Quando isso é feito com envolvimento emocional como pretexto, alguns juristas defendem que estamos diante de uma nova categoria: o golpe sentimental. Ainda não há uma tipificação penal exclusiva, mas a jurisprudência já caminha para reconhecer o dolo nessas ações como no Tribunal de Justiça de São Paulo na Apelação Criminal n.º 1500514-23.2018.8.26.0229.

A engenharia do afeto como isca
Pessoas que aplicam esse tipo de golpe usam estratégias sofisticadas de sedução e manipulação. O padrão é quase sempre o mesmo:
– Envolvimento rápido e intenso;
– Promessas de futuro;
– Criação de situações de vulnerabilidade;
– Culpabilização da vítima e desaparecimento após obter o que quer.

O Instituto Maria da Penha alerta que relacionamentos abusivos nem sempre envolvem gritos ou agressões físicas. Às vezes, o golpe está na promessa — e essa promessa, quando deliberadamente falsa, também é violência.

Quando o amor é calculado
Em entrevista à revista Psicologia USP, a pesquisadora Renata Salecl aponta que a cultura do amor romântico tem servido de cortina para práticas abusivas, onde a promessa de afeto é usada como moeda de troca. A vítima, iludida, entrega recursos, tempo e confiança acreditando estar construindo uma vida a dois — mas está sendo, na verdade, enganada de forma meticulosa.

Uma mulher que não quer se identificar relata que conheceu um homem em um aplicativo de namoro e que em apenas seis meses eles namoraram e casaram e que em apenas três meses após o casamento ele entrou em afastamento pelo INSS permanecendo assim até o final da relação que durou 3 anos e no fim alegou que tudo o que ela havia conquistado antes do relacionamento com ele era dele e ainda conseguiu obter ganhos na justiça uma vez que ela não tinha emocional para lutar contra a situação.

Casos como esse se agravam nas redes sociais, onde golpistas emocionais criam perfis perfeitos, simulam interesses e constroem narrativas convincentes. Segundo levantamento do Conselho Federal de Psicologia, o ambiente digital tem favorecido esse tipo de abuso, com um crescimento relevante de relatos nos últimos cinco anos (CFP, 2022).

Impactos emocionais e silêncio social
Quem sofre esse tipo de golpe raramente denuncia. A vergonha, o medo do julgamento e o trauma do abandono criam um ciclo de silêncio. A vítima não apenas perde bens — perde também a capacidade de confiar de novo.

O trauma emocional causado por esses relacionamentos é profundo. Psicólogos relatam quadros de depressão, transtorno de estresse pós-traumático e até ideias suicidas. E tudo isso pode acontecer sem que nenhum grito tenha sido dado — apenas promessas. E infelizmente não há estudos que demonstrem o impacto desse tipo de violência na vida das mulheres.

Justiça e reconhecimento
Alguns tribunais brasileiros já começaram a reconhecer o dolo nesses relacionamentos, enquadrando-os em estelionato, abuso de confiança e até danos morais. Mas o reconhecimento jurídico ainda é tímido. Falta legislação específica e, sobretudo, falta que a sociedade entenda: nem toda violência é visível.

Estelionato emocional é violência, sim. E enquanto continuarmos romantizando o “príncipe encantado golpista” em novelas, músicas e redes sociais, continuaremos empurrando mulheres para esse tipo de armadilha.

É preciso falar disso. E gritar, se for preciso.

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